Decisão tomada pelo STF em 25 de abril de 2007 desautoriza a
manobra do governo e do presidente do Senado, Renan Calheiros, contra a CPI da
Petrobras. Por unanimidade, os ministros do Supremo deliberaram que os pedidos
de CPI, quando formulados corretamente, devem ser acatados sem questionamentos.
Coube
ao ministro Celso de Mello, redigir o acórdão, como é chamado o resumo da
decisão. Pode ser lido aqui. O texto recorda que o instituto da CPI
está previsto no parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição. Diz o seguinte:
“As
comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de
seus membros [27 senadores e/ou 171 deputados], para a apuração de fato
determinado e por prazo certo…”
De
acordo com o STF, atendidas as três condições (apoio de um terço, fato
determinado e prazo definido), “a maioria legislativa não pode frustrar o
exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do
direito público subjetivo, que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente
instaurada a investigação parlamentar.”
Nos
termos do acórdão do Supremo, “cumpre ao presidente da Casa legislativa (Renan)
adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva instalação
da CPI, não se revestindo de legitimação constitucional o ato que
busca submeter, ao plenário da Casa legislativa, quer por intermédio de
formulação de Questão de Ordem, quer mediante interposição de recurso ou
utilização de qualquer outro meio regimental, a criação de qualquer
comissão parlamentar de inquérito.”
No
caso da CPI da Petrobras, após conferir as assinaturas dos 29 signagtários
—dois além do mínimo necessário—, Renan leu o pedido em plenário. Na sequência,
deu início a um jogo combinado com o Planalto. Passou a palavra à senadora
Gleisi Hoffmann (PT-PR) para a formulação de uma “questão de ordem”. Um
procedimento que, pelo acórdão do STF, não tem “legitimação constitucional”.
Ex-chefe
da Casa Civil de Dilma, Gleisi pediu a impugnação do requerimento de CPI da oposição.
Por quê? Alegou que a Constituição exige que a CPI investigue um “fato
determinado”, não quatro, como querem os opositores do governo. Renan acolheu a
“questão de ordem”, comprometendo-se a dar uma resposta na sessão seguinte. De
novo, uma inovação que não tem amparo constitucional.
Retorne-se
ao texto do Supremo: recebido o pedido, “cumpre ao presidente da Casa
legislativa, adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva
instalação da CPI”. A leitura do requerimento em plenário era o primeiro
passo. Estava entendido que: 1) a assessoria de Renan já havia conferido as
assinaturas dos apoiadores da CPI; e 2) não havia dúvidas quanto ao “fato
determinado”: a apuração de quatro suspeitas relacionadas à Petrobras. Do
contrário, Renan teria enviado o requerimento ao arquivo, não à pauta do
plenário.
Dando
sequência à manobra, Renan leu em plenário um segundo pedido de CPI,
protocolado pelo PT. Continha sete tópicos: os quatro do requerimento da
oposição e mais três: o cartel dos trens de São Paulo, a estatal mineira Cemig
e o porto pernambucano de Suape. A senadora Gleisi, que achara o pedido
anterior demasiado abrangente, assinou este outro, ainda mais agigantado.
Dessa
vez, foi o líder do PSDB, Aloysio Nunes (SP), quem pediu a impugnação. E Renan
tornou a prometer resposta para a sessão do dia seguinte. Estava estabelecida a
balbúrdia, como queria o governo. Renan voltou aos holofotes no dia seguinte.
Ao tomar conhecimento das suas deliberações, o pedaço do plenário do Senado que
ainda conserva a sanidade se deu conta de que não será fácil empurrar de volta
para dentro da lâmpada o gênio que saíra na véspera.
Renan
indeferiu as duas impugnações, a de Gleisi e a de Aloysio Nunes. Ambas feitas
por meio de “questões de ordem'' que, à luz do acórdão do STF, Renan jamais
poderia ter admitido. Em seguida, o presidente do Senado sustentou que, sendo
corretos os dois pedidos de CPI, deveria prevalecer o segundo, que é mais amplo
do que o primeiro. Como assim?!?!? Segundo Renan, o STF já decidiu que uma CPI
pode incorporar outros fatos. Bobagem.
O
que o Supremo decidiu foi o seguinte: no curso de uma CPI, caso surja alguma
nova suspeita que tenha conexão com o que está sendo apurado, a investigação
pode ser ampliada. A tese de Renan é inepta por duas razões: 1) a investigação
parlamentar nem começou; 2) assuntos como o cartel dos trens e do metrô de São
Paulo não têm nenhuma conexão com as encrencas da Petrobras.
Egresso
do Ministério Público Federal, o senador Pedro Taques (PDT-MT) ironizou Renan:
“Vossa Excelência está misturando avestruz com lobisomem.” Encerrada a sessão,
Taques refinou o chiste: “Só existe uma possibilidade de juntar o cartel de São
Paulo e a Petrobras numa mesma CPI: é preciso demonstrar que a estatal enviou
petróleo para a refinaria de Pasadena, no Texas, utilizando as linhas do metrô
de São Paulo. Se isso tiver acontecido, os fatos são conexos.”
Signatário
da CPI da Petrobras, Taques defende que o Senado investigue também o cartel que
assombra o tucanato em São Paulo. Só que em outra CPI, não na da Petrobras. O
governo e Renan, patrono de patrióticas nomeações na Petrobras, querem misturar
as coisas porque sabem que, numa CPI, mais é sinônimo de menos. Muitos alvos,
pouca —ou nenhuma- investigação.
Não
bastasse a confusão do Senado, a guerra das CPIs foi replicada no plenário do
Congresso, que reúne as duas Casas legislativas. A oposição protocolou um
pedido de CPI mista, com deputados e senadores. O bloco governista apressou-se
em fazer o mesmo, incluindo o cartel, Suape e etc.. Assim, há no Legislativo
nada menos que quatro pedidos de CPI. Só não há investigação.
Por
mal dos pecados, Renan Calheiros, além de presidir o Senado, comanda o
Congresso. Ou seja: será dele, novamente, a palavra final em relação às
CPIs mistas. A oposição se equipa para protocolar no STF, na semana que
vem, um mandado de segurança. Pedirá que seja assegurado o direito da minoria
de investigar a Petrobras. Não são negligenciáveis as chances de êxito. Fonte: josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/